(Nota do tradutor: artigo publicado em inglês em 31/05/2006 no blog The Archdruid Report (“O Relatório do Arquidruida”, agora inativo) e traduzido com permissão do autor John Michael Greer a partir de cópia autorizada. O blog foi também publicado como série de livros – esse artigo aparece no primeiro; e os blogs atuais do autor são Ecosophia e Toward Ecosophy.)
Há uns anos eu escrevi um artigo entitulado “Como caem civilizações: uma teoria do colapso catabólico” – um assunto alegre, claro, mas é relevante hoje num sentido mais do que teórico. Eu nunca consegui ter muito em comum com os sujeitos neoprimitivistas que insistem que a civilização é uma idéia horrível e nós deveríamos todos voltar a caçar e coletar, mas não se vê nada muito encorajador dos líderes de torcida do progresso perpétuo, também. Em termos ecológicos, a civilização é algo bem novo, não muito mais velha do que 10.000 anos no máximo, e, como a maioria das manobras evolutivas recentes, teve seus altos e baixos drásticos. Visita cidades na Itália, na China, ou em outro lugar que foi habitado continuamente por 2500 anos e é claro que, com as condições ambientais certas, o modo de vida civilizado pode se sustentar no longo prazo; visita as ruínas de Ur dos caldeus ou a metrópole maia de Tikal e é igualmente claro que quando as condições ambientais não apoiam, a civilização é um fenômeno efêmero que passa voando e desaparece num piscar em tempo ecológico.
A questão em muitas mentes hoje em dia é se a nossa civilização industrial atual cai numa dessas categorias ou na outra. É uma questão legítima, e uma que um olhar firme sobre os processos ecológicos por trás da queda de outras civilizações pode ajudar a responder. Esse foi o motivo por trás do artigo. Na forma original dele, no entanto, ele é coberto de equações, notas de rodapé, e todos os outros obstáculos do artigo acadêmico moderno – ele era pra publicação num jornal revisto por pares no campo da ecologia humana, um destino que ele ainda não atingiu – e julgando pelas perguntas que eu recebi desde que ele apareceu na Internet no ano passado, nem todos os leitores conseguiram cortar caminho por dentro do mato acadêmico até as idéias no centro.
A idéia do colapso catabólico é simples o bastante, e melhor comunicada com uma metáfora. Imagina que, ao invés do destino de civilizações, nós discutimos a posse de um lar. Até recentemente, quando pessoas saíam procurando casa pra comprar, a maioria tinha bom senso a respeito e comprava uma que podia pagar. A bolha imobiliária dos últimos anos, no entanto, encorajou bastante gente a se passar, comprando bem mais casa do que podia pagar, assumindo que os aumentos dos preços dos imóveis e as outras vantagens de ter um lar compensariam a diferença.
Se tu for um desses últimos, tu provavelmente não parou pra calcular quanto a tua enorme McMansão nova custaria pra ter, manter, e consertar, e quase certamente não percebeu que cada período de subida de valores de imóveis dá lugar a um período de valores congelados ou em queda mais cedo ou mais tarde. Conforme essas fichas começam a cair, tu te vê numa situação bem difícil, porque o teu salário não cobre todas as tuas despesas mensais. Tu pode cobrir a diferença por um tempo refinanciando a casa e liquidando qualquer patrimônio extra, mas isso só funciona enquanto as taxas de juros continuarem caindo e os valores de imóveis continuarem subindo. Uma vez que essa opção se encerrar, tu tem pouquíssimas outras se tu planeja continuar tendo a casa. Tu pode assumir mais dívidas, o que significa que os teus custos mensais aumentam; tu pode atrasar manutenção e consertos, o que quer dizer que a tua casa começa a cair aos pedaços, e os teus custos mensais aumentam; ou tu pode parar de pagar algumas das tuas contas, o que significa que a tua casa fica muito menos habitável, e os teus custos mensais aumentam. Eventualmente tu termina tão enterrado que tu não pode mais pagar a hipoteca e os impostos, e tu perde a casa.
Isso é o colapso catabólico em resumo. Como mansões suburbanas, civilizações são coisas complexas, caras, e frágeis. Pra manter uma funcionando, tu tem que manter e substituir toda uma série de estoques de capital: físico (como prédios), humano (como trabalhadores treinados), informacional (como técnicas agrícolas), social (como sistemas de mercado), e mais. Se tu pode fazer isso dentro do “orçamento mensal” dos recursos fornecidos pelo mundo natural e os esforços da tua força de trabalho, a tua civilização pode durar por muito tempo. Ao longo do tempo, no entanto, civilizações tendem a acumular estoques de capital a níveis que não podem ser mantidos; cada rei (ou magnata industrial) quer construir um palácio (ou arranha-céu) maior do que aquele que veio antes, e assim por diante. Isso põe uma civilização no mesmo problema que o dono da casa grande demais.
O que acontece então depende de se os recursos mais importantes da civilização são sustentáveis ou não. Recursos sustentáveis são como um salário mensal; tu tem que viver dentro dos limites dele, mas enquanto tu puder manter teus gastos médios iguais ou menores que o salário, tu sabe que pode te virar. Se uma civilização obtém a maioria das suas matérias-primas de agricultura ecologicamente sensata, por exemplo, a colheita anual põe um piso embaixo do processo de colapso. Mesmo se tudo cair completamente – se o dono vai à falência e tem a casa retomada, continuando a metáfora – aquele salário mensal vai deixar ele alugar uma casa menor ou apartamento e começar a juntar os cacos. Civilizações como o Egito antigo e a China imperial, que eram baseadas em recursos sustentáveis, passaram por esse ciclo várias vezes, de expansão passando pelo excesso a um colapso auto-limitante que terminou quando os estoques de capital caíram o bastante para poderem ser mantidos pela base estável de recursos.
Se a civilização depende de uso de recursos insustentável, no entanto, a situação é muito mais séria. Em termos da metáfora, o nosso dono comprou a casa com dinheiro ganho na loteria, não um salário mensal; a renda dele é só uma fração do que ele gasta cada mês – e não necessariamente uma fração grande. O processo que leva à retomada é diferente, também. O nosso ganhador da loteria pode gastar tanto quanto quiser, até o ponto em que o saldo bancário cai o suficiente pros cheques começarem a voltar. Mas quando esse ponto chegar, no entanto, a chance de fazer qualquer coisa sobre a situação passou há muito tempo. O dinheiro se foi, ele se vê com contas que a renda mensal dele não passa nem perto de cobrir, e quando as empresas de cobrança terminarem com ele, ele pode bem ficar na rua. Civilizações como os maias clássicos, que usaram recursos fundamentais (no caso maia, a fertilidade frágil dos solos tropicais) insustentavelmente, passaram por esse processo, e as “empresas de cobrança” da natureza não deixaram nada mais do que ruínas desmoronando na selva de Iucatã.
Isso não é uma boa notícia pra nossa civilização industrial moderna, claro, porque os estoques de capital dela são sustentados pelo ganho da loteria geológica que enterrou quantidades fantásticas de energia solar fossilizada na forma de carvão mineral, petróleo, e gás natural. Mesmo a fração bem pequena da nossa base de recursos que vem do “salário” de agricultura, silvicultura, e pesca depende de combustíveis fósseis, e tem sido usada a taxas insustentáveis. Desde o fim da década de 1950, cientistas têm avisado que o que ainda resta dos nossos combustíveis fósseis não vai sustentar o nosso sistema industrial atual indefinidamente, muito menos sustentar a Utopia do crescimento econômico perpétuo prometida por comentaristas de toda tendência política. Em geral, esses avisos têm sido amplamente ignorados. Se eles continuarem sendo ignorados até recursos começarem a faltar, nós podemos ter um futuro bem feio.
Esse futuro pode estar mais perto do que a maioria das pessoas gostaria de pensar, também. O colapso de Nova Orleans depois do furacão Katrina atraiu atenção do mundo todo, mas poucas pessoas parecem ter percebido as implicações do destino da cidade. Os Estados Unidos sofreram furacões catastróficos e outros desastres naturais antes, e no passado o desastre sempre era prontamente seguido de um programa de reconstrução imenso. Não dessa vez. O Bairro Francês e umas outras partes mais ou menos intactas da cidade reestabeleceram um equivalente aproximado da vida anterior, mas muito do resto da cidade foi demolido ou simplesmente abandonado aos elementos. As ruínas do Ninth Ward, como as centenas da vilas agrícolas abandonadas espalhadas pelos estados das Grandes Planícies e as cidades estripadas do Cinturão da Ferrugem dos Estados Unidos, podem ser um sinal de mudanças que a maioria nos Estados Unidos vai achar desconfortável encarar.
Um lugar no qual a metáfora da casa falha, no entanto, é que uma civilização tem uma estrutura fractal – isso é, os mesmos padrões que definem ela no nível maior também têm forma em escalas menores. As cidades duradouras na Itália e na China mencionadas no começo desse artigo mantiveram vida urbana através das quedas de impérios precisamente por causa dessa estrutura fractal; uma cidade e a sua área rural em torno podem sobreviver mesmo se o sistema maior se despedaçar. A expansão recente de resoluções e projetos sobre o pico do petróleo por municípios através dos Estados Unidos é portanto uma esperança. Vão ser necessárias mudanças drásticas e muita reconstrução econômica antes dessas comunidades poderem se sustentar com os recursos muito mais limitados de um futuro desindustrial, mas os cruciais primeiros passos rumo à sustentabilidade são ao menos considerados agora. Se o nosso futuro for qualquer coisa que não uma tentativa desesperada de manter o equilíbrio deslizando abaixo uma montanha de colapso e declínio, esses projetos podem indicar o caminho.